domingo, 10 de julho de 2011

Por que arte contemporânea na escola?


A arte é sempre contemporânea porque situa a experiência estética no contexto da vida

 
Tatiana Fernández. Almodóvar e Maná. fotograma da animação

Texto dedicado aos meus alunos e alunas da FADM



A experiência da arte carrega a intensidade de uma conexão que pode ir além do próprio tempo e espaço.  Não importa com que obra de arte, nem em que tempo ou lugar, sempre existe a possibilidade de uma conexão intensa, um encontro estético entre sujeito e objeto, um reconhecimento a primeira vista. Uma intensidade que vai explodir no corpo. Uma experiência perturbadora onde a vontade de compreender faz o coração bater rápidamente. 
Nestes encontros de experiência estética estão as bases da linguagem. Todo o fervor que temos pelo que acreditamos passa pela experiência do sensível na nossa estrutura. Por isso, só sabemos aquilo em que acreditamos e acreditamos naquilo que experimentamos na pele, o lugar onde nosso interior toca o mundo e é tocado por ele (Jean Luc Nancy, Corpus,1992). A nossa pele é a nossa dobra do mundo, o lugar onde o mundo se dobra dentro de si e se torna eu e onde eu me torno o mundo. 
A compreensão do mundo se constrói através da linguagem que se articula na experiência do corpo vivo. Mas a experiência da vida e do corpo é negada nos ambientes escolares. O mundo parece acontecer fora dos muros. Se não fosse porque os estudantes constroem a sua vida social na escola, seria um campo de extermínio da subjetividade. Dentro do sistema educacional atual não há lugar para a experiência da vida que não seja a da vida no sistema.
Como sair da inércia e a impotência? 

Ser capaz de articular a linguagem do mundo, se pensar pensando, se questionar sobre o próprio pensar e construir significado é uma capacidade propriamente humana. A arte é uma forma de se pensar pensando, é um processo de busca por uma maior compreensão de se saber vivo. Articular a linguagem de uma forma intensa é uma forma de experiência que marca o nosso corpo pela sua intensidade perturbadora, seja esta de beleza ou de profunda crueldade. Sabemos aquilo que a vida nos ensina porque passa através do nosso corpo, dos nossos sonhos, dos nossos desejos. Há arte em todo conhecimento que nasce de uma interação intensa com a vida (Dewey,Art as Experience, 1934). A arte não é a vida, mas é sua forma expandida. Para que a escola se torne um espaço de expansão humana deve se tornar um espaço de re-significação constante, um lugar de poesia e imaginação (Maxine Greene, Releasing, the Imagination, 1995).

Humanidade expandida
Há muito mais entre a arte contemporânea e a aprendizagem do que há entre o atual sistema de educação e a vida. Estes sistemas em todas partes do mundo limitam o desenvolvimento das capacidades humanas encarcerando as pessoas num estreito corredor de possibilidades que sevem para manter um sistema social desequilibrado e cruel. Um jogo de cartas marcadas onde a probabilidade de se completar como ser lhe é caro demais a qualquer um, um jogo de sobrevivência quase perdido. 
Aprender da arte do próprio tempo é estabelecer conexões que expandem nosso "universo incorporal" e nossos "territórios existenciais" (Felix Guattari, Caosmose, 1992). Mas temos que aprender tanto de sua experiência prática como da sua reflexão constante, como um exercício de vida que intensifica nosso sentir o mundo, viver a complexidade, enfrentar as contradições e desafios, expandir nossa humanidade. O conhecimento não basta, o mais importante é o que queremos fazer com ele. O que queremos se estende na nossa linguagem, se não conseguimos articular a linguagem não conseguimos nos expandir no mundo. Aprender a viver é um processo de criação de sentido na articulação da linguagem.  
A arte está na origem, na vertente da nossa humanização, o universo das nossas construções são projeções da nossa capacidade de articular a linguagem por meio das formas. Nossas formas de viver se originam na nossa capacidade artística de articular o sentido da vida. Somos seres essencialmente artistas. As sociedades constroem mitos, ritos e crenças que se manifestam de forma poética. Damos forma a nosso pensamento para poder compreender a complexidade da nossa vida, “condenada ao sentido”(Merleau Ponty, Fenomenologia da Percepção, 1967).

A arte contemporânea na escola é uma revolução de pensamento porque acompanha uma transformação cognitiva que requer novas formas de ensinar e aprender para enfrentar uma era de grandes desafios em que uma inteligência sensível e conectada ao fluido da vida será uma condição de sobrevivência. O mundo mudou e a escola se petrificou num sistema agora decadente. O paradigma cientificista hoje é insuficiente. Aprender da arte na sua expressão contemporânea se torna fundamental.

3 comentários:

  1. Nossa, eu nem tava sabendo que você tem um blog, Tatiana. Bem-vinda à blogosfera!

    beijos

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  2. Oi professora
    Vi a atualização. Adorei o texto e o video. Abraços.

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  3. Olá. Gostaria de fazer alguns questionamentos (por favor, não se sinta ofendida), pois gosto muito de discutir estética e, apesar de concordar que a história da arte deveria ensinar toda a história (incluindo aí a arte contemporânea), não creio que a arte contemporânea deva ser o paradigma dos artistas. Isto não tem a ver com o meu gosto, mas com a minha teoria.
    Gostaria, por fim, que fizéssemos uma discussão construtiva, tentando esclarecer um ao outro (pois não tenho muito contato com a arte contemporânea, meu entendimento é mais para com a arte clássica)
    Para começar, achei por demais obscura diversas passagens do texto, principalmente a primeira frase.
    Não há relação entre sujeito e objeto sem as condições de espaço e tempo. A experiência só é possível mediante espaço e tempo. Portanto, a experiência da arte não têm, a rigor, o poder de ir além do próprio espaço e tempo: isto é um contrassenso.
    Ademais, se as obras de arte suscitam em nós a vontade de entender coisas além do espaço e do tempo, elas parecem ir de encontro ao uso que deveríamos fazer da razão. Explico-me. Se somos seres dotados de razão, temos um dever como seres racionais: o uso puro da razão, tentando explicar coisas que supostamente vão além do espaço e do tempo, ou seja, que estão além de qualquer experiência possível, é um uso incorreto da razão, pois só serve para criar contendas que nunca serão resolvidas. O uso mais correto da razão seria o uso que dela fazemos para compreender aquilo que é objeto da experiência possível.
    Parece-me, também, que as passagens dos autores que citaste, em especial as passagens dos textos de Dewey e Greene, se utilizam de argumentos por demais floridos e caprichosos. Explico-me. Quando alguém quer ler algo sobre arte, querendo entendê-la, e buscar nestes autores o entendimento, passará a compreender menos ainda, pois o capricho no uso da linguagem - das passagens que citaste - faz com que aquilo que queremos que se torne mais claro para nós, torna-se mais obscuro.

    Gostaria de saber de ti o que achas da arte clássica? E que razões temos nós para não querermos voltar a ela?

    Voltarei em breve ao seu blog para saber o que achas de meus apontamentos. Obrigado desde já. Cuide-se.

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