quarta-feira, 9 de maio de 2012

Arte e vida

"A arte é uma qualidade que permeia a experiência, uma experiência que é mais do que estética: uma experiência carregada de significado". Assim John Dewey começa o último capítulo de "Arte como Experiência" escrito em 1934. Para ir fundo nesta ideia teríamos que discutir o que constitui uma experiência e o que gira em torno do significado, mas o que me interessa aqui é refletir sobre a natureza da arte. Trouxe para esta discussão uma obra que me parece, pode nos acercar á compreensão deweyana de arte como experiência.

Mas antes vamos despir o conceito de arte da sua pesada veste de objeto/ produto que dominou com o pensamento ocidental europeu desde o Renascimento e que ainda podemos sentir nas sociedades contemporâneas. Com estas vestes, a arte se impôs sobre outras formas de compreensão e se instaurou no imaginário cultural até nossos dias. Depois, vamos despir a arte das joias subjetivas do Idealismo Romântico que lhe deram um brilho misterioso, uma aura de exclusividade luxuosa que brota de seres escolhidos por um desígnio divino ao qual não podem aceder os simples mortais. Envolvida a arte na névoa confusa da filosofia aprendemos reconhecê-la nos templos que levantaram para sua memória.

Vamos começar então por deixar a arte nua, despojá-la da suas vestes e joias mais valiosas: nem objetos, nem sujeitos da arte. Assim nua, parece demais com a vida, veremos que não resta nada que possa nos iludir na sua aparência. Mas, será que Ad Reinhardt tinha razão quando dizia que arte é arte e vida é vida?

Antes de continuar vejamos a performance de Marina Abramovic, "A Artista está Presente" realizada e durante três meses no MoMA em N.Y. em 2010 :

http://www.moma.org/interactives/exhibitions/2010/marinaabramovic/
Marina Abramovic leva este questionamento a sua maior intensidade na mais emocionante performance já realizada. Não se trata só do tempo que permaneceu olhando cada uma das pessoas que sentaram na sua frente, mas da intensidade vivida tanto para ela como para os participantes. É impossível, como podemos desprender desta obra, apontar UM significado ou UMA experiência e explicá-los. Pois a única maneira de compreender é através de uma experiência intensa como esta.

Sua natureza é incorporal, não se estaciona nem no objeto, nem no sujeito. Não é propriedade nem do sujeito nem do objeto. A arte acontece no encontro significativo entre eles. E como acontecimento, sua natureza é fluida, imaterial, indeterminada. Mas isto não significa que a arte não possa se materializar, seria negar a força da sua evidencia. É claro que a experiência da arte deixa marcas materiais e culturais.

Sua importância se deve à intensidade com que estas marcas devolvem vida à vida. A experiência da arte acontece no momento em que sentimos que fizemos contacto, que conseguimos tocar o mundo e que o mundo nos toca burlando a intransponível solidão do nosso corpo. A arte é uma forma de celebrar o encontro, de marcar sua intensidade, de lembrar que estamos todos (e quando digo "todos" me refiro a todos os que existiram) conectados. Não se trata só de uma língua que todos falamos, um ato de comunicação, mas de um sentido que compartilhamos, mesmo quando não compartilhamos nada. Assim, a arte pode tomar todas as formas possíveis em que os seres se encontram entre si e com o mundo. O que nos une de maneira inequívoca é esta capacidade de transpor o abismo das nossas diferenças. Saber que podemos fazer contacto. A dança, a música, o performance, as imagens, as palavras que articulamos são evidências que deixam as experiências da arte. Mas isto não significa que arte e vida são a mesma coisa. Mesmo nos povos e culturas em que a arte se manifesta na vida cotidiana, esta se diferencia como um momento de intensa experiência comunitária. 



Joseph Beuys afirmava que todos somos artistas. Como ele acredito que todos temos o poder de fazer contato, de criar formas que nos conduzam a experiências intensas e significativas na vida que sejam capazes de mudar nossa compreensão do mundo, mas é um poder que deve ser trabalhado constantemente, construído com esforço e profundo engajamento. A vida é um risco que ninguém pediu para correr e que só a arte é capaz de conjurar. Na arte somos todos a mesma matéria e a mesma energia que se completa na experiência vivida. 


Tatiana

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