domingo, 30 de outubro de 2011

A economia e a educação

Caneca para lapis, Lado B. Pintura objeto, acrílico puro 15 x 5 x 0,01 cm. 2011

Minha filha lembrou uma frase que viu escrita em algum lugar (é parte do texto na referência abaixo): o mundo se divide em dois grupos, os que não comem e os que não dormem. Os últimos não dormem porque tem medo que os que não comem se revoltem.E ainda pior, os que não dormem apontam os que não comem como a origem dos seus problemas. Fiquei impressionada com a metáfora justamente porque vinha pensando muito nas relações complexas que se tecem entre a economia e a educação.

Nesta economía do capital assistimos o sacrifício do outro em nome das instituições, como se estas fossem mais importantes que as pessoas que as compõem; a morte de inocentes em nome da democracia que se impõe com bombas; a discriminação do outro em nome da segurança. Fala-se de segurança para aumentar a repressão, mas não para diminuir os abismos de injustiça, exploração e intolerância, nunca para aplacar a fome, mas para apartar os revoltados. Fala-se de eficiência, mas nunca para que todos alcancem uma qualidade de vida elevada, eficiência é só lucro por cima do trabalho e sacrifícios dos outros.  
Os professores são um caso emblemático no mundo ocidental. Professor é considerado um “gasto” pelos administradores e gestores da educação, o que demonstra o nível de incompetência para gerir ou administrar que tem os profissionais da área. Eles não conhecem um sistema que não seja aquele que favorece o lucro por cima das pessoas.  Nos sistemas que não geram lucro os administradores e gestores da educação são em geral omissos, não movem, não geram, não usam a inteligência, se limitam a listar os problemas e passar a conta aos professores. A última greve dos professores da rede pública nos lembra que o assunto ainda é subestimar o papel do professor na sociedade.

Assim como a conta dos bancos quebrados na Europa e nos Estados Unidos, por causa da incompetência, avareza e perversão dos seus gestores e administradores, será paga pelos que não comem, assim os professores pagam a conta daquilo que os gestores não conseguem gerir e os administradores não conseguem administrar e ainda será exigido deles que salvem a sociedade da sua "eminente depravação". 

Como Maxine Greene, Paulo Freire, Henry Giroux e outros que lutam pela educação liberadora eu somo minha voz em nome do que é decente e humano, vamos valorizar o professor. 
O que estes políticos, administradores, gestores teriam que aprender para conseguirem enxergar e ouvir? Ver e escutar de maneira crítica é uma das falhas da nossa sociedade. Como estamos fazendo para que nossos estudantes aprendam que as injustiças sempre conduzem a piorar as condições de convívio e vida no planeta? Explorando os professores?  Qual é a lição? Quais as conseqüências? Acredito muito que se estas pessoas tivessem uma educação na arte poderiam enxergar e ouvir finalmente. Cegos e surdos vamos em direção à decadência (declinio, deterioração, principio de debilidade e desintegração) da educação.

A Ciência a serviço do desenvolvimento econômico, Revista Tiers  Monde, Vol. V No. 20, 1964, In CASTRO  de, Anna Maria (Org. ) Fome, um Tema Proibido, Civilização Brasileira 2003.


sábado, 23 de julho de 2011

Por que a arte não é um instrumento?


 Tatiana Fernández, frame de mutatis mutandis, animação

Instrumento de inclusão social, instrumento de reflexão moral, instrumento de glorificação, instrumento de comunicação, instrumento pedagógico?
Definir instrumento no que ele é e não é: ferramenta para conseguir um propósito, meio ou estrutura que serve a, dá sustento a. Instrumento não é ele mesmo o fim, ninguém faz instrumentos sem propósitos definidos se estes vão ser instrumentos de alguma coisa.
Definir arte no que ela é e não é: impossível definir a arte em termos do que ela é porque não acabaríamos nunca, mas podemos dizer que não é instrumento porque a experiência da arte não se situa no objeto, nem no sujeito, mas no encontro entre os dois, é um tipo de experiência em que sujeito e objeto se completam.
O problema está então no conceito de arte. Tudo depende do corpo de suposições do qual partimos. Se pensarmos que arte é a qualidade material do objeto podemos deduzir que o “objeto arte” pode-nos servir para um propósito maior que seja útil ao sujeito de “alguma” maneira. Assim foi compreendida durante séculos na sociedade ocidental cristã onde as imagens representavam a palavra divina. Se pensarmos que a arte é expressão de sentimentos podemos deduzir que o “objeto arte” pode nos servir como instrumento de expressão. Ainda assim separamos objeto e sujeito da arte.
Mas se pensarmos que a arte acontece no encontro entre o ser e mundo, entre sujeito e objeto e que é, portanto uma experiência única, poderemos compreender que a arte não é um instrumento, mas um encontro.
A arte pode ser logicamente e muitas vezes foi instrumento de poder, instrumento de comunicação, instrumento pedagógico, etc. Todas nossas leituras da arte podem existir juntas, não há limites, podemos fazer dela o que quisermos, podemos usar uma obra de Picasso para analisar as guerras mundiais ou para criar um padrão de tecido para a moda. Podemos usar o objeto da arte, mas não a seu acontecimento.
Pintura não é arte, desenho não é arte, escultura não é arte, gravura não é arte, performance não é arte, instalação não é arte, vídeo-intervenção não é arte.
Pintura é só pintura, desenho é só desenho e tudo mais...
Arte é um encontro incorporal: o tempo e o exprimível, o vazio e o lugar. A arte acontece no devir, no caminho, no passo, na procura, no encontro, na aparição, no fluir.
Arte na escola não pode ser instrumento pedagógico, porque então não estamos fazendo arte, estamos fazendo outra coisa com os conhecimentos da arte, que não é fazer arte.  O propósito da arte na escola é a arte.
Não vamos pensar na arte como objeto novamente, só pintar não é arte.

domingo, 10 de julho de 2011

Por que arte contemporânea na escola?


A arte é sempre contemporânea porque situa a experiência estética no contexto da vida

 
Tatiana Fernández. Almodóvar e Maná. fotograma da animação

Texto dedicado aos meus alunos e alunas da FADM



A experiência da arte carrega a intensidade de uma conexão que pode ir além do próprio tempo e espaço.  Não importa com que obra de arte, nem em que tempo ou lugar, sempre existe a possibilidade de uma conexão intensa, um encontro estético entre sujeito e objeto, um reconhecimento a primeira vista. Uma intensidade que vai explodir no corpo. Uma experiência perturbadora onde a vontade de compreender faz o coração bater rápidamente. 
Nestes encontros de experiência estética estão as bases da linguagem. Todo o fervor que temos pelo que acreditamos passa pela experiência do sensível na nossa estrutura. Por isso, só sabemos aquilo em que acreditamos e acreditamos naquilo que experimentamos na pele, o lugar onde nosso interior toca o mundo e é tocado por ele (Jean Luc Nancy, Corpus,1992). A nossa pele é a nossa dobra do mundo, o lugar onde o mundo se dobra dentro de si e se torna eu e onde eu me torno o mundo. 
A compreensão do mundo se constrói através da linguagem que se articula na experiência do corpo vivo. Mas a experiência da vida e do corpo é negada nos ambientes escolares. O mundo parece acontecer fora dos muros. Se não fosse porque os estudantes constroem a sua vida social na escola, seria um campo de extermínio da subjetividade. Dentro do sistema educacional atual não há lugar para a experiência da vida que não seja a da vida no sistema.
Como sair da inércia e a impotência? 

Ser capaz de articular a linguagem do mundo, se pensar pensando, se questionar sobre o próprio pensar e construir significado é uma capacidade propriamente humana. A arte é uma forma de se pensar pensando, é um processo de busca por uma maior compreensão de se saber vivo. Articular a linguagem de uma forma intensa é uma forma de experiência que marca o nosso corpo pela sua intensidade perturbadora, seja esta de beleza ou de profunda crueldade. Sabemos aquilo que a vida nos ensina porque passa através do nosso corpo, dos nossos sonhos, dos nossos desejos. Há arte em todo conhecimento que nasce de uma interação intensa com a vida (Dewey,Art as Experience, 1934). A arte não é a vida, mas é sua forma expandida. Para que a escola se torne um espaço de expansão humana deve se tornar um espaço de re-significação constante, um lugar de poesia e imaginação (Maxine Greene, Releasing, the Imagination, 1995).

Humanidade expandida
Há muito mais entre a arte contemporânea e a aprendizagem do que há entre o atual sistema de educação e a vida. Estes sistemas em todas partes do mundo limitam o desenvolvimento das capacidades humanas encarcerando as pessoas num estreito corredor de possibilidades que sevem para manter um sistema social desequilibrado e cruel. Um jogo de cartas marcadas onde a probabilidade de se completar como ser lhe é caro demais a qualquer um, um jogo de sobrevivência quase perdido. 
Aprender da arte do próprio tempo é estabelecer conexões que expandem nosso "universo incorporal" e nossos "territórios existenciais" (Felix Guattari, Caosmose, 1992). Mas temos que aprender tanto de sua experiência prática como da sua reflexão constante, como um exercício de vida que intensifica nosso sentir o mundo, viver a complexidade, enfrentar as contradições e desafios, expandir nossa humanidade. O conhecimento não basta, o mais importante é o que queremos fazer com ele. O que queremos se estende na nossa linguagem, se não conseguimos articular a linguagem não conseguimos nos expandir no mundo. Aprender a viver é um processo de criação de sentido na articulação da linguagem.  
A arte está na origem, na vertente da nossa humanização, o universo das nossas construções são projeções da nossa capacidade de articular a linguagem por meio das formas. Nossas formas de viver se originam na nossa capacidade artística de articular o sentido da vida. Somos seres essencialmente artistas. As sociedades constroem mitos, ritos e crenças que se manifestam de forma poética. Damos forma a nosso pensamento para poder compreender a complexidade da nossa vida, “condenada ao sentido”(Merleau Ponty, Fenomenologia da Percepção, 1967).

A arte contemporânea na escola é uma revolução de pensamento porque acompanha uma transformação cognitiva que requer novas formas de ensinar e aprender para enfrentar uma era de grandes desafios em que uma inteligência sensível e conectada ao fluido da vida será uma condição de sobrevivência. O mundo mudou e a escola se petrificou num sistema agora decadente. O paradigma cientificista hoje é insuficiente. Aprender da arte na sua expressão contemporânea se torna fundamental.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

A imagem que somos

Tatiana Fernández. Paisagens Híbridas. Illimani no fundo da minha casa. Fotomontagem, 2009.
O Illimani é uma montanha nevada da Cordilheira Oriental dos Andes que marca a paisagem da cidade de La Paz e minha casa se estende no cerrado de Brasília.

Se sempre situamos a imagem fora de nós é para poder vê-la porque dentro de nós ela é invisível.

“[...] toda experiência consciente tem necessariamente um grau de qualidade imaginativa. Já que as raízes da experiência se encontram na interação da criatura viva com seu meio, esta experiência se torna consciente, uma matéria da percepção, somente quando os significados derivados de outras experiências entram nela. A imaginação é a única via de saída para que estes significados encontrem seu caminho dentro da interação presente; [...] o ajuste consciente do novo e o velho é a imaginação. A interação da criatura viva com seu meio ambiente se encontra na vida vegetal e animal. Mas a experiência vivida é humana e consciente somente enquanto o que é dado aqui e agora se estende por significados e valores extraídos daquilo que é ausente de fato e presente só imaginativamente.” (DEWEY, Art as Experience, Penguin Books [1934] 2005, p. 283-284)


segunda-feira, 2 de maio de 2011

Por que aprender da arte

Todo mundo conhece histórias de pessoas poeticamente traumatizadas. Quase todas estas histórias contam que aconteceu entre os 7 e 14 anos. Sabemos que existem duas razões para o trauma artístico. Uma é a mudança na forma da expressão que acompanha o desenvolvimento físico e cognitivo provocando um turbilhão de emoções que procuram maneiras de expressão mais adequadas aos sentimentos que vivem e que dificilmente encontram via nas formas de expressão da infância. Outra é a forma como aprendemos da arte.

Viktor Lowenfeld identificou nesta faixa etária três fases do desenvolvimento da capacidade criadora (1973): entre os 7 e 9 anos a idade do realismo descritivo quando as crianças fazem representações genéricas, mas aproximadas da realidade; a fase do realismo visual entre os 9 e 10 anos quando a observação da tridimensionalidade do mundo faz sentido e ele quer incorporar estas observações à sua gramática visual e a fase da repressão entre os 11 e 14 anos em que o adolescente se sente incapaz de uma expressão adequada às experiências que vive.  De fato nem todas estas fases são tão exatas e nem todas as pessoas são iguais, mesmo porque a cultura também faz parte das diferenças nas formas de expressão.  Mas de maneira geral não está longe da realidade. Nesta faixa etária acontece um turning point, uma virada na vida poética da pessoa: o fica na arte ou a deixa para sempre. 

Porque, ou deixamos de ser artistas o nunca deixamos de ser-lo.  E deixamos quase sempre por causa de um trauma criativo associado á maneira como a nossa sociedade, (ocidental  no caso que nos toca) entende a arte. E a maior parte destes traumas acontecem no espaço da escola, na sala de aula, com a professora ou professor de arte.

Isto nos leva à segunda razão do trauma artístico: a maneira como aprendemos a arte. Antes não ter arte na escola do que ter para convencer as pessoas de que não são capazes de ser na arte, perpetuando uma idéia esotérica do fazer artístico que distancia a arte da vida. A figura do gênio exilado da vida, um mártir do nada ou a neurose entre uma livre auto-expressão ou uma técnica rigorosa são algumas das contradições que levam as pessoas a deixar a arte cedo na vida. Ninguém quer um filho artista, mas todos estão prontos a elevar o artista ao exílio do Olimpo aonde só chegam os superdotados, os escolhidos. Entre o desprezo e o endeusamento a arte e o seu artífice parecem ser de outro mundo.  A cisão em nossos dias é muito evidente, filhos que somos do mundo moderno que isolou a ciência das artes, mas isso também evidenciou a sua dimensão na construção do conhecimento. Hoje a ciência que estuda a inteligência humana aponta a arte como a sua maior conquista intelectual justamente porque esta ligada à vida em todos seus aspectos. A ciência pode apontar as experiências da vida, mas arte constitui em si uma experiência de estar na vida. Então ela é fundamental para o conhecimento porque ela é uma das suas formas mais completas. Como aponta Graeme Sullivan no livro Art as Research (2005) a ciência explica enquanto a arte compreende.

Desta maneira o medo de não encontrar os meios adequados á expressão típico desta idade reforçado pelo modelo neurótico em que a sociedade concebe a arte e o artista e que é reproduzido na escola aprofunda a distância entre as pessoas e seu potencial poético, isto é, sua capacidade de re-significar o mundo. A maneira como aprendemos na arte pode nos distanciar ou nos acercar da experiência criativa.
   
Como a vida, a obra de arte é uma construção no tempo não uma incisão instantânea (John Dewey, Arte como Experiência, 1934). Por isso ensinar arte é uma tarefa complexa. A preocupação deve enfatizar sobre as aberturas para aprender antes que nas possibilidades de ensinar. Porque tem muitas coisas que podem ser ensinadas como têm muitas outras que não podem se ensinar na arte (e na vida), mas com certeza tudo pode se aprender no exercício dela, desde que esta seja compreendida como uma forma de experiência que está grávida de significado (Dewey) com um sentido importante na vida: a contínua realização de si mesmo (ver conceito de autopoiese de Maturana e Varela). 

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domingo, 1 de maio de 2011

PINTURA

* Programa
Aquarela, guache, acrílico e óleo sobre diversos suportes. Teoria das cores e da forma. Processo pictórico clássico, moderno e contemporâneo.

Estúdio: Condominio Quintas Interlagos Conjunto C casa 08 Jardim Botânico, Brasília
mais informações em www.estagiodeartista.pro.br 
@estagioartista