segunda-feira, 2 de maio de 2011

Por que aprender da arte

Todo mundo conhece histórias de pessoas poeticamente traumatizadas. Quase todas estas histórias contam que aconteceu entre os 7 e 14 anos. Sabemos que existem duas razões para o trauma artístico. Uma é a mudança na forma da expressão que acompanha o desenvolvimento físico e cognitivo provocando um turbilhão de emoções que procuram maneiras de expressão mais adequadas aos sentimentos que vivem e que dificilmente encontram via nas formas de expressão da infância. Outra é a forma como aprendemos da arte.

Viktor Lowenfeld identificou nesta faixa etária três fases do desenvolvimento da capacidade criadora (1973): entre os 7 e 9 anos a idade do realismo descritivo quando as crianças fazem representações genéricas, mas aproximadas da realidade; a fase do realismo visual entre os 9 e 10 anos quando a observação da tridimensionalidade do mundo faz sentido e ele quer incorporar estas observações à sua gramática visual e a fase da repressão entre os 11 e 14 anos em que o adolescente se sente incapaz de uma expressão adequada às experiências que vive.  De fato nem todas estas fases são tão exatas e nem todas as pessoas são iguais, mesmo porque a cultura também faz parte das diferenças nas formas de expressão.  Mas de maneira geral não está longe da realidade. Nesta faixa etária acontece um turning point, uma virada na vida poética da pessoa: o fica na arte ou a deixa para sempre. 

Porque, ou deixamos de ser artistas o nunca deixamos de ser-lo.  E deixamos quase sempre por causa de um trauma criativo associado á maneira como a nossa sociedade, (ocidental  no caso que nos toca) entende a arte. E a maior parte destes traumas acontecem no espaço da escola, na sala de aula, com a professora ou professor de arte.

Isto nos leva à segunda razão do trauma artístico: a maneira como aprendemos a arte. Antes não ter arte na escola do que ter para convencer as pessoas de que não são capazes de ser na arte, perpetuando uma idéia esotérica do fazer artístico que distancia a arte da vida. A figura do gênio exilado da vida, um mártir do nada ou a neurose entre uma livre auto-expressão ou uma técnica rigorosa são algumas das contradições que levam as pessoas a deixar a arte cedo na vida. Ninguém quer um filho artista, mas todos estão prontos a elevar o artista ao exílio do Olimpo aonde só chegam os superdotados, os escolhidos. Entre o desprezo e o endeusamento a arte e o seu artífice parecem ser de outro mundo.  A cisão em nossos dias é muito evidente, filhos que somos do mundo moderno que isolou a ciência das artes, mas isso também evidenciou a sua dimensão na construção do conhecimento. Hoje a ciência que estuda a inteligência humana aponta a arte como a sua maior conquista intelectual justamente porque esta ligada à vida em todos seus aspectos. A ciência pode apontar as experiências da vida, mas arte constitui em si uma experiência de estar na vida. Então ela é fundamental para o conhecimento porque ela é uma das suas formas mais completas. Como aponta Graeme Sullivan no livro Art as Research (2005) a ciência explica enquanto a arte compreende.

Desta maneira o medo de não encontrar os meios adequados á expressão típico desta idade reforçado pelo modelo neurótico em que a sociedade concebe a arte e o artista e que é reproduzido na escola aprofunda a distância entre as pessoas e seu potencial poético, isto é, sua capacidade de re-significar o mundo. A maneira como aprendemos na arte pode nos distanciar ou nos acercar da experiência criativa.
   
Como a vida, a obra de arte é uma construção no tempo não uma incisão instantânea (John Dewey, Arte como Experiência, 1934). Por isso ensinar arte é uma tarefa complexa. A preocupação deve enfatizar sobre as aberturas para aprender antes que nas possibilidades de ensinar. Porque tem muitas coisas que podem ser ensinadas como têm muitas outras que não podem se ensinar na arte (e na vida), mas com certeza tudo pode se aprender no exercício dela, desde que esta seja compreendida como uma forma de experiência que está grávida de significado (Dewey) com um sentido importante na vida: a contínua realização de si mesmo (ver conceito de autopoiese de Maturana e Varela). 

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